Nas entrelinhas: "Minnie vaca"
segunda-feira, março 18, 2013
Quando fui a Orlando um tempo atrás, com amigas queridas e seus respectivos filhotes, realizei um sonho de criança: jantei com Mickey e companhia. A expectativa era grande, o coração batia, o sorriso brotava sem eu perceber só com a ideia de que em poucos minutos eu veria minha maior paixão, o mal-humorado mais gostoso do planeta: Pato Donald. Ansiosa, quicando, eu parecia ter oito anos de idade. E a sorte é que estava com amigas tão bobas quanto eu quando o assunto é o mundo mágico criado por Walt Disney.
Chegou a hora. Os personagens adentraram o recinto e Pateta logo veio fazer graça na nossa mesa. Cao, meu marido, que não estava no mesmo clima infantil, custou a acreditar nos pulinhos que eu, Maíz e Vanynha demos ao ver aquele maravilhoso gigante bocó.
- Vocês sabem que tem uma pessoa suando dentro dessa roupa, né? Que deve estar de saco cheio fazendo isso há horas, deve xingar essa fantasia pesada e provavelmente odeia o Pateta e todo o complexo Disney.
Ignoramos o Cao e sua total falta de sensibilidade.
Quando vi que a Margarida estava dando atenção demasiada a uma outra mesa, estrilei:
- Ei! Por que ela está demorando horas lá? Eu quero a Margarida aqui!
- A mesa está cheia de crianças. Crianças que devem ter seis anos. Elas merecem ficar mais tempo com a Margarida, não acha? – debochou Cao.
- Claro que não. Por que crianças têm regalia? Só por serem crianças? Era só o que faltava! Idade é um número, a Margarida não pode discriminar a gente por causa de um número!
- A gente tá na Disney! Disney é para crianças!
- Não é! – respondemos em coro eu, Maíz e Vanynha.
- É sim!
- Não é, não! – repetimos.
Cao desistiu. Era muita mulher com alma de criança numa mesma mesa.
Ao fim da noite, fotos tiradas com todos os personagens, só faltava a Minnie. Confesso que sempre ignorei a Minnie. E até a Margarida, que eu tanto queria que me desse atenção. Gosto é do Donald e do Pateta. O Mickey é muito certinho, muito mauricinho. Não amo. Mas também não desamo.
Minnie chegou com cara de poucos amigos. Parecia com pressa, devia ter um programa marcado, a vaca. Comentei com Cao o jeito blasé de Minnie Mouse.
- Ela não é vaca, é rata. E a cara dela não mexe! Como é que pode estar com ‘cara de poucos amigos’? – perguntou meu marido, exaltado.
- Meu Deus, mas será que você não sente o clima? – rebati na hora.
Minnie tirou fotos de forma protocolar, pouco interagiu conosco e se recusou a repetir uma foto com Maíz, sua fã de carteirinha. Ficamos decepcionadas.
Vanynha não deixou barato e reclamou com o gerente sobre o péssimo comportamento de Minnie Mouse. Que nós estávamos ali no último horário do jantar, mas que isso não era motivo para sermos maltratadas, ignoradas; que éramos adultas sem crianças, mas que isso também não justificava. O gerente deu toda a razão a Vanynha, pediu desculpas, chamou a Minnie de novo, tiramos fotos com ela e sem ela, ganhamos brindes. No fim das contas, foi até bom a Minnie ser vaca com a gente.
No dia seguinte, Bia, minha afilhada e coisa mais linda do mundo, quis saber como tinha sido meu jantar com a turma do Mickey.
- Foi bacana, Bia. Mas a Minnie é péssima.
- Por quê, dinda?
- Porque a Minnie foi uma vaca comigo e com as minhas amigas.
- A Minnie? – perguntou, boca aberta, mãos no rosto, fisionomia entre chocada e decepcionada.
Droga! Falei com uma criança como se eu tivesse a idade dela. E nem me dei conta. Precisava consertar o estrago. Até porque Roberta, mãe da Bia, arregalou tanto os olhos que fiquei com medo.
- Como é que a dinda vai explicar? Não é a Minnie, a dinda não gostou da pessoa que estava dentro da Minnie, sabe?
Roberta arregalou mais ainda os olhos, queria me fulminar com eles. Eu não estava indo bem…
- Tem uma pessoa dentro da Minnie? Que pessoa? A Minnie é uma pessoa, dinda!
- Não! A Minnie é um personagem.
- Quer dizer que a Minnie não existe?
- Claro que existe. Existe mas não existe, entendeu? – suei frio.
Meu Deus! Alguém tinha uma rolha GG para tapar a minha boca? Roberta não tinha, mas agiu.
- Vamos pegar mais ovinho mexido, filha? – perguntou, tirando a pequena da mesa e rangendo os dentes na minha direção.
Ainda bem que não me botou de castigo. Estava vendo a hora em que ela diria pra mim, enérgica: “Sem parque hoje. E sem televisão! Vai ficar sozinha no quarto pensando no que fez!”.
Voltaram.
- Mas o que a Minnie fez com você, dinda?
Ai, meu Deus! Ela não tinha esquecido! Eu precisava falar o mínimo possível. Estava a ponto de traumatizar a criança.
- Foi grossa.
Roberta arregalou os olhos de novo. Vai ver não gostou da palavra. Troquei por outra.
- Antipática.
- O que é antipática?
- O oposto de simpática.
- O que é simpática?
- Uma pessoa simpática é uma pessoa… legal. Legal, isso!
- Por que a Minnie não foi legal com você? Logo com você, dinda… – quis saber, desolada.
Tadinha!
Não sabia mais o que dizer. Por que as crianças fazem tantas perguntas? Eu não podia mentir pra ela.
- Não sei. Ela certamente tinha algum programa marcado, estava com pressa pra ir embora.
- Programa com o Mickey?
- Devia ser. Um cinema, sei lá.
- Que filme eles iam ver?
- Ah, Bia. Ela mal falou comigo, como é que eu vou saber?
Crianças…
Uma outra pirralha sentada na mesa chamou a atenção da minha afilhada e ela parou de fazer perguntas. Ufa! Só então lembrei que não sei falar com crianças. Na verdade, sou uma tragédia falando com crianças.
Quando achei que o episódio da Minnie vaca estava enterrado, quase dois anos depois Bia perguntou, do nada, durante um almoço:
- Por que a Minnie não foi legal com você, dinda?
- A Minnie não foi legal com você? – reforçou a avó da Bia.
Roberta arregalou de novo os olhos pra mim, já prevendo um novo desastre. Glup!
- Filha, lembra que você foi malcriada com a mamãe outro dia? E que quando a mamãe perguntou por que você estava agindo daquele jeito você disse que estava cansada? Então… Foi isso que aconteceu. A Minnie devia estar com soninho. Só isso – explicou, encerrando de vez o assunto, arregalando de novo os olhos para mim e dizendo com eles: “Nem mais uma palavra! Ai, ai, ai!”.
Obedeci, calei a boca. E graças ao bom Deus a Roberta não me botou de castigo.
Sobre a autora: Thalita Rebouças é uma jornalista e escritora brasileira que escreve livros direcionados ao público adolescente. Sua carreira começou em 1999, mas ela só ficou conhecida do grande público em 2003, quando passou a publicar seus livros pela editora Rocco. Desde então, lançou 12 títulos e já vendeu mais de 1 milhão de livros. Em 2005, começou a assinar a coluna Fala Sério! na última página da Revista Atrevida. Fez faculdade de Direito durante dois anos, mas após este período resolveu cursar jornalismo. Trabalhou como jornalista na Gazeta Mercantil, Lance! e TV Globo, entre outros. Como assessora de imprensa trabalhou na FSB, no Rio de Janeiro, no Guarujá e em Nova Iorque. Em 2009 ela deu o primeiro passo rumo à sua carreira internacional, lançando seus primeiros livros em Portugal. Sua carreira é marcada pela paixão, pelo contato com o público e pela participação intensa em feiras de livros, autografando sempre todos os dias durante as bienais do Rio e de São Paulo. No YouTube há vários vídeos que mostram o entusiasmo do público com a escritora, além de entrevistas que ela deu a programas de TV, como o Programa do Jô. Thalita também fez várias participações em programas da TV Globo, sempre relacionadas ao público adolescente e atualmente onde faz o quadro EE de Bolsa, do Esporte Espetacular. Em julho de 2011 a escritora ultrapassou a marca de 1 milhão de livros vendidos.
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