Nas entrelinhas: Programão

sexta-feira, março 08, 2013



- Oi, minha queridaaaa! Bom dia, flor do diaaaa!
Quando minha avó liga nessa empolgação de vogais multiplicadas é sinal de que algo animador aconteceu.
- Já tem programa pra amanhã? Se não tiver, agora tem. Programão. E é com a vovó!
Opa! Algo muito animador aconteceu, concluí.
- Leu o obituário hoje?
Ok, não tão animador.
- Eu não leio obituário nunca – respondi.
- Pois eu só leio obituário. Ler o resto do jornal pra quê? Só tem notícia ruim.
Atenção para “o resto do jornal”. Atenção para “notícia ruim”. Sigamos em frente.
- E no obituário tem o quê? Festa? Micareta? Felicidade?
- Ih, Thalita, você é tão esquisita!
Esquisita. Não por me emocionar ridiculamente com o reality show das Kardashians, não por tirar toda a pele de cada gomo de uma tangerina. Esquisita por não ler o obituário. Sigamos em frente novamente.
- Adivinha quem morreu?
- Dona Zelinha! – chutei.
- Que nada! Continua viva, aquela chata. Anda, fala outra pessoa.
- Seu Ademar?
- Imagina, seu Ademar vai morrer de quê? É moço ainda, não tem nem 80 anos. Anda, outro!
- A brincadeira é muito divertida, mas podemos abreviá-la? Quem morreu?
- A mãe da nora da Alice, a nossa vizinha em Copacabana. Lembra dela?
- Eu me lembro da Alice. Ela fazia uns biscoitos tão gostos…
- Foca, minha filha! Foca! A gente tá falando da morta! A morta é mãe da nora da Alice. Foi uma vez lá em casa, lembra?
- Não.
- Minha filha, como você não lembra? Aquela mulher era a cafonice em pessoa. Imagina como não vai ser o enterro dela!
- Como vai ser?
- Cafona! – disse, impaciente. – Ô, garota burra!
É, minha avó sabe ser um doce quando quer.
- Vamos?
- No enterro da mulher que eu nem conheço?
- O que é que tem? Vamos ver como é que gente cafona faz enterro hoje em dia.
- Falou a chique.
- Eu sou chiquíssima.
- Você usa pochete.
- Uso porque eu fumo.
- Ah, é. E fumar é superchique, esqueci.
- Minha filha, eu não me orgulho do meu vício, mas é prático botar o cigarro na pochete. Na bolsa eu perco tudo.
Sim, ela usa pochete e bolsa ao mesmo tempo. E se acha chique. Modéstia pra quê, né?
- Faz tanto tempo que não vou a um enterro bom! Acho até que vou ao shopping comprar roupa nova. E vou ao salão. Quero ir bonita.
- Pra quê?
- Para todos verem como estou linda, jovem, alegre.
- Alegre no enterro?
- Modo de dizer. Aprenda, querida, enterro é um programa interessante pra ver gente, rever amigos, botar a conversa em dia, marcar uma biriba, um teatro com as velhinhas da van… Vamos, boba!
- Tentador esse convite, mas obrigada. Não gosto de enterro de gente conhecida, imagina de desconhecida!
- Aí que você se engana! Enterro de gente desconhecida é que é bom! A gente analisa o morto sem sentimento, a gente se solidariza com as pessoas sem sofrer. É muito melhor enterro assim, Thalita! – explicou. – Ainda mais o da mãe da nora da Alice. Só quero ver se a família vai pagar maquiador ou vai ser mão de vaca, tacando a defunta no caixão de cara limpa sem dó nem piedade. Olha, minha filha, você me maquia quando eu passar pro outro lado, hein? Era só o que faltava receber as pessoas no meu velório sem um batom, um blush, uma base. Quero pele de pêssego, quero bochechas coradas. Cara de vida, não de morte, pelo amor de Deus!
O que dizer para alguém que planeja o dia em que vai “receber as pessoas” no próprio velório?
- Pode ficar tranquila, eu providencio um maquiador.
- Ótimo. Mas e então? Vamos? Eu te pago um lanche depois.
Ah… que bonitinho ela me oferecer um lanche.
- Fechado.
Topei. É, topei. A minha avó odeia ir a restaurantes, gosta mesmo é de lanchonetes. Bacana ver que ela queria sair do enterro e aproveitar a neta por um tempo, jogar conversa fora, ficar de chameguinho comigo. Fofa.
- Onde você está pensando em ir?
- Na lanchonete de lá mesmo.
- Você quer lanchar comigo no cemitério?
- É, ué! Qual o problema? A gente já vai estar lá… Além do mais, o misto-quente da lanchonete é uma beleza. Caríssimo, mas uma beleza.
Mais tarde ela ligou para muito gentilmente me desconvidar, já que arrumara três amigas para dividir um táxi para o enterro.
- Não fica triste, se você quiser ir vovó arruma um jeito.
Como não fiquei nem um pouco triste, lá foi ela para o São João Batista com a estranha alegria que lhe é peculiar. Depois me ligou para contar detalhes do programa. E fez questão de frisar o que perdi: o enterro foi um “show de cafonice” e as amigas a-do-ra-ram o misto-quente do cemitério.
Sei que minha avó é louca pelo assunto morte, mas espero que tenha mais muitos anos de vida – com saúde, claro. E não só porque sou louca por ela, mas porque quando estou sem ideias para escrever para este blog é ela que me salva. Cada telefonema é uma crônica pronta.


Sobre a autora: Thalita Rebouças é uma jornalista e escritora brasileira que escreve livros direcionados ao público adolescente. Sua carreira começou em 1999, mas ela só ficou conhecida do grande público em 2003, quando passou a publicar seus livros pela editora Rocco. Desde então, lançou 12 títulos e já vendeu mais de 1 milhão de livros. Em 2005, começou a assinar a coluna Fala Sério! na última página da Revista Atrevida. Fez faculdade de Direito durante dois anos, mas após este período resolveu cursar jornalismo. Trabalhou como jornalista na Gazeta Mercantil, Lance! e TV Globo, entre outros. Como assessora de imprensa trabalhou na FSB, no Rio de Janeiro, no Guarujá e em Nova Iorque. Em 2009 ela deu o primeiro passo rumo à sua carreira internacional, lançando seus primeiros livros em Portugal. Sua carreira é marcada pela paixão, pelo contato com o público e pela participação intensa em feiras de livros, autografando sempre todos os dias durante as bienais do Rio e de São Paulo. No YouTube há vários vídeos que mostram o entusiasmo do público com a escritora, além de entrevistas que ela deu a programas de TV, como o Programa do Jô.
Thalita também fez várias participações em programas da TV Globo, sempre relacionadas ao público adolescente e atualmente onde faz o quadro EE de Bolsa, do Esporte Espetacular. Em julho de 2011 a escritora ultrapassou a marca de 1 milhão de livros vendidos.


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