Nas entrelinhas: Se isso não é amor, eu não sei o que é.

quinta-feira, junho 06, 2013


Sejamos adultos e vamos encarar os fatos: garotas sempre querem compromisso. Todas, pergunte aos hormônios. Algumas apenas não sabem disso ainda. Outras, pode ser que não hoje, esta tarde, mas num futuro concreto, sim, querem compromisso. Mesmo as que não admitem, querem compromisso. Pode ser que a intenção não se manifeste ao seu lado, mas certamente há um outro carinha na parada as deixando sonhadoras. Tudo bem, pouquíssimas não querem compromisso, no entanto topam numa boa serem desafiadas. Garotas não sabem ser solteiras aos domingos, e há domingos praticamente toda semana, coisa que as empurra para um relacionamento sério e duradouro.

Aí, sem mais nem menos, ela marca um encontro contigo em algum pub ou qualquer local público aberto após o expediente. É um bar perto de onde ela mora, não muito cheio, de modo que ela escolhe um lugarzinho afastado dos beberrões. Há quadros do Jimi Hendrix e Janis Joplin, e capas clássicas de vinil pregadas na parede, acho que pra decorar. Tem algo diferente nela, talvez a ausência do sorriso que você interpreta como o início de uma TPM, ou o cabelo está diferente, ou a maquiagem pouco enérgica. Ela esconde-se atrás do cardápio, da franja, da mão pequena atulhada de aneis. Até que finalmente consegue olhar pra você e bangue! Na maior caradura, dispara o que há de novo:

“Bem, eu não sei como dizer isso, senão direto ao ponto. Bem, o ponto é que chegamos a um ponto, eu pelo menos, que a gente acaba parando pra analisar o que a gente tem. O caso é que estamos saindo já faz um bom tempo e... O que está acontecendo? Tudo e nada. Tudo: nos damos super bem e nossas conversas sempre rolam legal e eu tenho um afeto enorme por você, além da parte física que, você sabe, é deliciosa e incomum. Nada: olha, acho que a gente acabou se metendo numa confusão sem tamanho e eu me sinto enfiando os pés pelas mãos. Não sei, talvez a gente deva pegar mais leve, esse lance todo tem me deixado assustada. Enfim, não sei exatamente o que quero dizer, talvez precise de um tempo pra pensar melhor nisso, um tempo pra mim, um tempo de nós. Por isso eu sumi ontem de manhã, acordei e me dei conta que já havia uma gaveta com coisas minhas na sua casa e isso me rendeu uma espécie de apneia diurna, fiquei refletindo sobre o significado disso tudo e, sei lá. Essa situação tá insustentável pra mim, ando cheia de coisas pra fazer e não sei por onde começar. Eu não queria me apaixonar agora, é isso. Acho que a gente não deveria levar tudo tão a sério.”

Sério digo eu: por que as garotas fazem esse tipo de coisa? Azul é azul, vermelho é vermelho. Por que a insistência em enxergar tudo em púrpura? Por que tantos rodeios e nebulosidades onde deveriam estar andando despreocupadas com os pezinhos descalços numa traçada linha reta e nítida? Qual a vantagem de ser uma adaptação para teatro de rua dos contos da Clarice Lispector? O que eu entendi disso tudo? “Blablablá, a gente não deveria levar tudo tão a sério”. O que vocês têm contra o amor correspondido? Você vai compreender meu argumento ao comparar essa tergiversação feminina com algumas coisas que ela me disse não faz muitos dias, na cama, suarentos e com camisetas e calcinhas e tênis All Star rolando pelo tapete.

“Você me faz sorrir.”

“Promete que não conta a ninguém? Certo, eu tinha este sonho seguidamente. Eu ficava esperando muito tempo, até que o ônibus finalmente chegava. Eu estendia a mão, ele parava, e quando eu levantava o olhar pra checar a lotação, eu via você. Quer dizer, um cara. Mais ninguém, só você. E eu sabia. Simplesmente sabia que era você, que era ele. Que era minha vez de subir, que tinha um assento reservado com meu nome. Mas eu ficava paralisada, com vergonha e sem saber como agir, sem saber onde pôr as mãos. No fundo, eu tinha medo de subir porque eu teria de tomar a iniciativa, chamar atenção, fazer alguma coisa que fosse. Era mil vezes mais confortável enquanto eu esperava, esperava, esperava. Aí o ônibus arrancava e você, esse cara, girava o pescoço e ficava olhando pra trás, uma carinha linda de cão abandonado, até sumir na esquina. E eu ficava lá, parada, com os pés encravados no chão, vendo minha chance passar. Aí eu acordava ensopada de suor e me achando a mais covarde do mundo.”

“Posso esfregar meu pé no teu? Tenho frio.”

“Você fala como se soubesse tudo o que eu quero. Você acha que sabe, não acha? Só que, no momento, aposto que nem se deu conta, tudo que eu quero é você.”

“Adorei passar um fim de semana inteiro contigo. No início eu tive medo, acho que estava projetando minhas limitações na sua pessoa. Mas você não era nada daquilo. Você é gentil e doce. E cada gesto seu me surpreende. Sei lá, acho que ninguém nunca fez nada de bom por mim a vida toda, nada parecido com o que você conseguiu em dois dias. Meio abrupto, reconheço. Você me faz viver fora da minha linha e é isso que eu gosto em você. Dá medo, mas é um medo gostoso de ter.”

“Sua boca é bem bonita.”

“Até conhecer você, não era difícil arriscar uma definição para o amor: 'é uma coisa que acontece com os outros'.”

“Porque amanhã de manhã, vou sair daqui para trabalhar e chegando lá, vou sentir saudade. Uma saudade forte, com a mesma intensidade da saudade que eu sentia de você antes de ter te conhecido. Só que diferente, uma saudade alegre. Sem aquela sensação de impossibilidade e desesperança.”

“Isso é amor?”

“Se sentir tesão, me acorda.”

Ela realmente falou essas coisas? Sim, ela realmente falou essas coisas. Eu estava lá quando tudo aconteceu, com a cabeça no mesmo travesseiro, circulando um mamilo com o indicador, fixado nos seus olhos de framboesa, que luziam enquanto os lábios úmidos diziam cada sílaba, cada frase. Me explica. Por que tanta prolixidade, por que tantos subterfúgios, por que tantos chavões do tipo “ah-preciso-de-um-tempo-pra-pensar”? Como exatamente pensar ajudaria nesse tipo de ocasião? Estamos falando de amor e não de como monopolizar a Brigadeiro Faria Lima no Banco Imobiliário.

Por que tanto auê por causa de uma gaveta? Tinha uma iguana dentro ou troço assim? E que bobagem é essa de “esse-lance-todo-tem-me-deixado-assustada”? Sou um cara bacana e não um zumbi foragido de “Tomb Raider”. Pombos em praça pública ficam assustados, não garotas diante do amor. Sim, amor. Ela mesma disse, somos ótimos juntos, temos tudo em comum e muitas histórias pra compartilhar, e o sexo, deus do céu, nem Anaïs Nin saberia descrever.

Se isso não é amor, eu não sei o que é. Venha com o peito aberto, estufado e cheio de coragem. Ou vá embora. Mas depois não vem me dizer que tem coração.

Sobre o autor: Gabito Nunes nasceu em 1982. Autor de outros quatro livros de crônicas e contos, entre eles A Manhã Seguinte Sempre Chega e Não Sou Mulher de Rosas. Originário da geração de blogs de criação literária, ganhou o prêmio Top Blog de literatura (júris popular e acadêmico) e atualmente escreve o folhetim online Juliete Nunca Mais. Leitor de John Fante, Jack Kerouac, Nick Hornby, Charles Bukowski, Woody Allen, J. D. Salinger, Milan Kundera, Caio Fernando Abreu e Marcelo Rubens Paiva. Ouvinte de Beatles, Bob Dylan, The Smiths, Beck e Radiohead. Escritor de prosa de ficção, Ao Norte de Mim Mesmo é seu primeiro romance. Gabito Nunes nasceu e mora em Porto Alegre/RS.

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