Nas entrelinhas: De Repente

quarta-feira, agosto 07, 2013



- Tá, mas começa do início… Isso foi do nada? De repente, você olhou pra mim e percebeu que as outras pessoas tinham se tornado desinteressantes? Ou essa é só mais uma das suas crises de orgulho ferido, amor ferido ou como quer que você queira chamar?
- Você nunca sentiu isso? Aquele estalo que dá quando você começa a enxergar alguém de um modo completamente diferente? É meio que assim… Num dia desses, eu tava do teu lado na aula de inglês. Aquele babaca que sempre vem te cantar tentou fazer isso pela décima vez só essa semana. Ele disse que trocaria um jogo de futebol por você – na tentativa de ser fofo. Você riu e dispensou. Quando você virou pro lado, eu disse que pararia por você.
- Eu sei, eu me lembro disso. E você me surpreendeu. Quer dizer, não é como se a gente nunca tivesse tido nada. Mas você sempre foi aquele meu amigo colorido… Achei que sempre tivesse sido assim. Quando a gente tinha nada pra fazer, a gente ficava junto. Temporariamente. Até você soltar a minha mão ou me ligar contando sobre uma dessas meninas que vão partir o seu coração em duas semanas.
- Ou até você contar de novo como é o homem dos seus sonhos – e eu reconhecer, mais uma vez, que eu não me encaixo no seu arquétipo ideal. Mas isso não me importou muito. De repente, eu olhei pro lado e vi que sentia ciúmes de você. Eu já não gostava muito desses caras durões com quem você saía, e passei a odiar cada um deles por te chamarem pro cinema no meio da tarde. Eu me vi num daqueles jogos de resta um – você podia ser a companhia de qualquer um deles, mas eu sempre ficaria sozinho. Não ser o tal cara da sua vida era penoso – mesmo que fosse na minha cabeça…
- E por que você decidiu contar isso agora? Eu nunca teria dito que a nossa amizade acabaria por conta disso. Quer dizer… Eu te acho atraente e tal. Mas eu nunca tive esse tal estalo que põe todas as coisas do avesso e me mostra que eu estou apaixonada pelo meu melhor amigo. Eu tenho ciúmes de você – e já fui apaixonada por você – mas pra mim era coisa boba. Dessas que a gente ri junto nas comédias românticas de sexta-feira à noite. Mas diz, por que isso agora?
- É que meu pai passou o dia inteiro me enchendo o saco sobre as coisas depois da formatura. E depois da formatura eu devo me mudar. Pra outro país, pra fechar a especialização e, provavelmente, a gente não vai se ver mais. E foi a coisa que mais me doeu de primeira. Eu não pensei na família, nem nos amigos. Eu pensei que não podia te deixar aqui sozinha e em como eu ia me virar sem você por perto. Pensei em como todos os outros caras tentariam chegar em você, e alguns até conseguiriam. E eu também pensei que eu continuaria escrevendo umas cartas e uns textos sobre algumas garotas, e você não saberia que são todas sobre você. Pensei sobre quem te empurraria no balanço, e sobre quem dividiria o brownie com sorvete de creme contigo. Pensei nos seus gatos, e em como ia ser se você arrumasse alguém que não tem alergia perto deles. Quem vai espirrar e te fazer rir ao mesmo tempo? Pensei sobre todas aquelas coisas que são só nossas e em como esse estalo se transformou numa britadeira na minha cabeça. É meio que a sua voz gritando na minha cabeça: “ei, escuta aqui, se não for você, quem é que vai me fazer feliz?”
- Hmm… E por que essa franqueza toda agora? Quando não dá mais tempo de remediar a situação. Você vai e eu vou ficar aqui. Provavelmente, eu vá sentir a sua falta – e talvez eu tenha até o tal estalo. Sabe, acho que a gente não deu sorte. Porque essas coisas de amor são meio que sorte combinada com disponibilidade e a pessoa certa. Eu já senti que você era a minha pessoa certa, mas tinha um medo danado de perder o meu porto seguro. Então eu me obriguei a te ver como o meu melhor amigo neutro, e a engolir todas aquelas mulheres que nunca foram feitas pra você. Eu meio que sabia que você precisava de mim, e isso me confortava. Você nunca soube assar um bolo, nem fazer brigadeiro de panela. Você sempre me sujava toda – e eu sabia que isso era pretexto pra me agarrar na cozinha. Só que a gente sempre deixa pra lá quando acha que é coisa da nossa cabeça. A gente podia ter dado tão certo… Quer dizer, eu tentaria por você. Eu também pararia, e quem sabe os nossos pais tivessem razão em dizer que a gente nunca encontrou alguém que coubesse na gente porque a gente já tinha se encontrado? Quem sabe a nossa risada histérica fosse só uma confissão do nervosismo que a gente sentia por estar com o outro? E, com certeza, os meus inúmeros “ela não presta” tinham uma pontada de despeito. Eu queria mesmo era dizer que eu prestava.
- O que a gente vai fazer sem ter o outro ali – nem que seja pra tentar e ver se a gente se enganou dessa vez também? Eu não sei se ir embora é a minha melhor opção, mas por você eu fico. Fico até você ter o tal estalo e desconstruir a imagem de um Lorde Inglês como seu cara perfeito. Eu fico e espero até você perceber que o meu jeito abobalhado de quem se molha todo só pra não te deixar ficar resfriada na chuva é o jeito certo. E que a gente tem essa sintonia deliciosa que nem a gente mesmo sabe explicar. Você sempre fez parte do meu plano, mas, de repente, eu me vi obrigado a ir embora. E foi por isso que trouxe tudo isso à tona…
- De repente, isso seja bom. Vai ver a gente sinta saudades e eu largue as coisas pra ir atrás de você. Eu consiga me livrar desse meu jeito meio travado, e cabeça dura de achar que você é só um menino angustiado e que eu exerço mais o papel de mãe do que mulher pra você.
- De repente, você sinta saudades e me veja como o tal herói. Sem super poderes ou algo do tipo, mas alguém em quem você pode deitar a cabeça no ombro sem julgamento. Um idiota que vai lamber as suas lágrimas – e não adianta sentir nojinho disso – e que vai fazer mil palhaçadas pra te ver sorrindo, mesmo que seja por uma fração de segundos…
- E agora não vai ser mais? A gente vai deixar o nosso final em aberto e abrir mão das tentativas?
- De repente… Seja o melhor a se fazer. Imaginar o que podia ter sido e conviver com o que não é. De repente, não era pra ser. Ou era, e a gente não viu.

Sobre o autor: Daniel Bovolento é um carioca, redator publicitário. Atualiza o Entre Todas as Coisas, escrevendo textos sobre amor, comportamento e cia.

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